| Dia 1 de dezembro é o dia mundial de luta contra o HIV/aids. Já são 30 anos desde a descoberta do vírus, nos Estados Unidos e na França. Depois de promessas da descoberta da cura nos anos 1980 e muito esforço e investimentos em pesquisas, o saldo atual que é ainda não temos uma vacina realmente eficaz, embora 30 estejam em testes. Vários medicamentos antiretrovirais (ARVs) zeram a carga viral, afastando a capacidade do vírus abrir as portas do organismo para infecções oportunistas, com ganhos na qualidade de vida dos portadores, que levam uma vida quase normal. Mas, o fato é que o HIV (vírus da imunodeficiência humana) ainda é um capítulo em aberto na história da medicina e da humanidade a ponto de os especialistas opinarem de forma uníssona: por hora, não temos muito o que escolher, ou seja, temos que insistir na prevenção à infecção, no tratamento, caso a pessoa já esteja contaminada, com os ARVs existentes. Essa é a opinião do médico infectologista do Hospital 9 de Julho, Dr. Gustavo Johanson. Ele, que também atua na Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, no ambulatório de viajantes, afirma: "A vacina ideal ainda não chegou, ou seja, aquela capaz de criar imunidade suficiente para impedir a infecção de maneira rápida e eficaz ao se deparar com o HIV." Mas, o que torna o HIV tão diferente e difícil de ser controlado mesmo com as tecnologias mais avançadas do século 21 e todo o conhecimento de microbiologia que os estudos sobre o próprio vírus possibilitou é que ele possui altíssimas taxas de mutação, algumas prejudiciais a ele mesmo, capazes de torná-lo até mesmo menos virulento em algumas situações. Em outras, no entanto, o HIV se torna resistente aos medicamentos ARVs existentes. "Em qualquer das situações, ele acaba 'escapando' dos alvos das vacinas, pela mudança estrutural de suas proteínas", explica o Dr. Gustavo. É na sua capacidade de mutação para criar resistência aos medicamentos que reside o perigo, principalmente se quem está em tratamento não o leva a sério, pois o vírus consegue se "esconder" no cérebro e nos gânglios linfáticos. Bastam 15 dias sem os medicamentos para que a infecção volte. Para o Dr. Gustavo, a estrita aderência ao uso dos ARVs é fundamental para o sucesso do tratamento. O nível dos ARVs no sangue tem que ficar sempre acima do necessário para impedir a replicação viral. Do contrário, o vírus se replica, com chance de cepas resistentes ganharem espaço e condições de sobrevivência. "Recomenda-se não atrasar, ou pular uma única dose sequer dos ARVs", alerta o médico. O perfil da doença mudou, mas o estigma ainda permanece O desenvolvimento do chamado coquetel, com a combinação de ARVs, a aids passou a ser postulada como uma doença sob controle. Relaxar na prevenção e adquirir o vírus não é mais sinônimo de morte iminente. A pessoa com o vírus, em tratamento, leva uma vida quase normal, com algumas dificuldades, como tomar medicamento todo dia sem esquecer nenhuma dose, efeitos colaterais das drogas no organismo como alterações no metabolismo de gorduras (lipodistrofia e dislipidemia), eventuais alterações neurológicas, necessidade de fazer exames e acompanhamento médico periódico para o resto da vida e possibilidade de ter que trocar de esquema terapêutico de tempos em tempos em função da resistência do vírus. Na opinião do Dr. Gustavo, se compararmos com a década de 1980, em que a sobrevida média de uma pessoa já com aids manifesta era de meses a pouco mais de um ano, hoje em dia vivemos muito mais tranquilos, graças à alta potência dos ARVs existentes. Entretanto o bônus vem acompanhado do ônus, pois os mesmos medicamentos que salvam, são capazes de causar malefícios em outros órgãos e sistemas do corpo. "O estigma ruim ainda permanece, ainda que mais brando que antigamente e as pessoas infectadas são mais vulneráveis emocionalmente", afirma. Outra perceptível mudança é no perfil da epidemia. "No início atendíamos quase que exclusivamente homossexuais masculinos e usuários de drogas ilícitas. Hoje em dia, atendemos também mulheres (heterossexuais), inclusive as mais velhas, contaminadas por seus parceiros. Infelizmente, essa foi a parcela dos infectados que mais aumentou ultimamente", comenta. Uso de ARVs como forma de prevenção deve ser medida de exceção O modelo brasileiro é considerado exemplar no tratamento do HIV. A partir de 1991, os medicamentos que compõem o coquetel passaram a ser distribuídos gratuitamente ao soropositivo. Estima-se que a terapia esteja disponível a 95% dos pacientes com aids. O modelo é exemplo, principalmente entre os países em desenvolvimento, que não dispõem de recursos para a distribuição gratuita de ARVs. "É necessário, no entanto, que o governo destine os recursos para a manutenção do programa, através de parcerias com os laboratórios e até mesmo quebra de patentes, se necessário", alerta o médico. Em outubro deste ano, o Ministério da Saúde anunciou que pessoas que tiveram relações sexuais desprotegidas e correm o risco de infecção pelo HIV podem solicitar ARVs como forma de prevenção. Para ter acesso aos medicamentos, qualquer pessoa deve procurar um dos 700 centros de referência no tratamento do HIV e aids em até 72 horas após a relação sexual desprotegida, mas o ideal é que sejam duas horas. Antes, essa medida já era aplicada apenas para casos de violência sexual e profissionais de saúde em contato com sangue contaminado. O receio é que a população tome essa possibilidade como desculpa para o descuido na prevenção. Dr. Gustavo acha, no entanto, que esse medo é infundado, pois apesar de ser uma medida eficaz, é muito difícil uma pessoa ter a disposição de buscar o ARV múltiplas vezes após contato sexual desprotegido. "Creio que esta será uma medida de exceção. Entretanto, só o futuro é que vai nos dizer sobre o real comportamento da população e sobre a taxa de transmissão", afirma. Resultados de uma pesquisa que acompanhou 2.499 voluntários durante três anos, em seis países - 350 deles no Brasil, apontam para o sucesso dessa prática. O uso de dois medicamentos já conhecidos em uma pílula diária e com uso contínuo foi capaz de reduzir em até 92% os índices de infecção pelo vírus em homens que fazem sexo com homens. | |
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